Sou um dos signatários da petição que circulou na
internet pedindo aos senadores que não elegessem Renan Calheiros como
presidente do Senado brasileiro. Apesar das mais de 250 mil assinaturas, a maioria
absoluta dos senadores fez vista grossa e não atendeu ao pedido de um bom grupo
de brasileiros honestos.
Mas quem tem boa memória não se surpreendeu.
Afinal de contas não é a primeira vez que isso acontece. É tradição do Senado brasileiro,
eleger gente suspeita para a sua presidência. Se alguém ainda tem dúvida basta
fazer uma pesquisa e verificar quem ocupou a cadeira de presidente daquela
casa, começando pelo antecessor de Calheiros. E se isso acontece é porque a
maioria absoluta dos senadores faz parte da mesma trupe e não tem interesse de
eleger para cargo tão importante pessoas que se pautariam pela ética e pela
transparência. A maioria é, no dizer do adágio popular, "farinha do mesmo
saco”.
Porém, nesta hora, ao invés de ficarmos
revoltados ou desperdiçando palavras inúteis, fazendo discursos demagógicos,
precisamos fazer um sério exame de
consciência. Certa vez li um texto do Dalai Lama no qual ele dizia que
os grandes males da humanidade existem porque falamos demais e refletimos muito
pouco. Ele chegava a afirmar que em situações como essas é preciso silenciar para percebermos a nossa
responsabilidade e, a partir disso, começarmos a agir de maneira diferente.
Quem é Calheiros?
O retrato fiel da maioria absoluta dos eleitores
brasileiros. Afinal de contas os que o elegeram não chegaram ao Senado através
de um golpe ou por eleição indireta. Não estamos mais na época dos
"senadores biônicos”. Foram eleitos por milhões de brasileiros. Logo, por
dedução lógica, foram eleitos por brasileiros e por brasileiras que, pelo voto
direto, os levaram ao Senado. E, também por dedução lógica, precisamos ter a
sinceridade e a humildade de reconhecer que ainda votamos de forma
irresponsável, sem fazer um discernimento sério e criterioso. Votamos porque o
sujeito fala bem. Votamos porque o cara tem dinheiro. Votamos porque ele é
"bonitão” e ela é "lindona”. Mas votamos também porque ele é o
candidato daquele político mais próximo de nós, que um dia nos fez um favor:
pagou uma cachaça, financiou uma dentadura ou uma receita de remédio.
Portanto, nada de lamentos e de atitudes bobas de
escândalo. Nós, brasileiros e nós brasileiras, de um modo geral, ainda somos
corruptos. Ainda temos a mentalidade do "jeitinho”. Aquele jeitinho que
começa "furando a fila” dos que aguardam o ônibus, ou a abertura do banco,
e vai se propagando até a venda do próprio voto. Dias atrás eu estava com minha
esposa na fila de um restaurante. Aguardávamos a abertura do mesmo para o
almoço. Ao se abrirem as portas do restaurante quase fomos atropelados, pois
aqueles que estavam atrás se precipitaram sobre nós para almoçarem por
primeiro. E é bom lembrar que não era um restaurante popular e que não havia
nenhum risco da comida se acabar. Gestos antiéticos como estes são muito comuns
no nosso dia a dia. Toda vez que podemos enganamos e nos desviamos da boa
conduta, sempre com a intenção de levar vantagem em tudo.
Somos um povo de memória curta, um povo que se
deixa levar facilmente pela propaganda, pela mentira e pela conversa fiada dos
farsantes. Em 1989 Collor de Mello, apoiado pela grande mídia, especialmente
pela Rede Globo, foi eleito com a falsa imagem de "caçador de Marajás”. Na
ocasião a maioria dos brasileiros recusou-se a ver quem ele era e por quem era
apoiado. O resultado desastroso nunca foi esquecido por quem tem boa memória,
especialmente pelos que faliram e sofreram danos horríveis a partir do confisco
do nosso dinheiro, por ele realizado no dia seguinte após a posse presidencial.
Confisco esse tão rentável que permitiu que a sua ex-ministra da Fazenda se
mudasse na época para os Estados Unidos, onde vive confortavelmente até hoje.
No momento a cena se repete. Brasileiros
continuam se empolgando e deixando-se enganar. Não aprendemos a lição. No
segundo semestre do ano passado muita gente ficou entusiasmada com a condenação
dos protagonistas do "mensalão” do PT, por parte da Justiça brasileira.
Não foram capazes de perceber que se trata de um ato politiqueiro, com a
finalidade explícita de desviar a atenção do povo brasileiro dos verdadeiros
bandidos. E para comprovar isso bastaria dar uma olhada nos outros julgamentos
da Justiça ou, melhor ainda, nos processos que se arrastam há anos. Bastaria
conhecer os crimes nunca julgados e nunca punidos. Seria interessante nos perguntarmos
por que o Procurador Geral da República não fez nada até agora para denunciar a
famosa "privataria tucana”, cujos documentos são públicos e notórios e
envolve criminosamente políticos brasileiros numa operação de desvio de
quantias vultosas dos cofres públicos brasileiros. Bastaria lembrar o mensalão
do PSDB e os escravocratas fazendeiros assassinos de Unaí (MG), bem pertinho de
Brasília, mandantes do assassinato dos fiscais do Ministério do Trabalho, até
hoje impunes. E poderíamos aqui multiplicar os exemplos.
Não estou aqui defendendo o PT e nem afirmando
que não houve mensalão, embora pairem dúvidas sérias sobre o assunto. O que
estou afirmando é que existem sérias evidências – pelo menos para as pessoas
inteligentes – de que este julgamento é politiqueiro e parcial. Os políticos do
PT não estariam sendo usados como bodes expiatórios, com a finalidade explícita
de nos desviar de crimes muito mais sérios? Por que mensalões cometidos antes
por outros políticos e partidos, com os quais o PT aprendeu a lição, permanecem
impunes até hoje? A Justiça deve explicação à população brasileira, se não
quiser continuar com a sua imagem arranhada. Ela deve saber que uma boa parte
dos brasileiros já não engole mais a propaganda da grande mídia. Como acreditar
numa Justiça, exaltada no momento do julgamento do mensalão do PT, se esta
exaltação vem de uma mídia que sempre esteve do lado da elite e da oligarquia
brasileiras, únicas responsáveis pela miséria do povo e pela corrupção em nosso
país?
É hora, pois, de acordar e de cada um de nós
assumir sua parte de responsabilidade nesta história. É hora de, com muita
coragem e determinação, reconhecer aquela tendência à corrupção e à
desonestidade que se aninha dentro de cada um e de cada uma de nós. É hora de
conversão, de reviravolta, de "mudança de hábitos”. É hora de parar de
reclamar e de agir com mais transparência, mais seriedade e mais ética.
Por fim, cabe lembrar, não para nos desculpar,
que este não é um problema só nosso
e nem só de hoje. Há exatos 80 anos Hitler, um dos maiores facínoras da
humanidade, chegou ao poder pelo voto direto. Na Itália, Berlusconi, talvez o
maior político corrupto daquele país em todos os tempos, chegou ao poder pelo
voto popular. E o que pensar de Putin na Rússia e de tantos outros políticos em
tantos outros países? Isso só vem confirmar a urgência de uma ética mundial, como incansavelmente
vem defendendo Hans Küng e outros cientistas e estudiosos.
Por José Lisboa Moreira de Oliveira
Nenhum comentário:
Postar um comentário