Por Mozart Neves Ramos
Professor
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é membro do Conselho de
Governança do Todos Pela Educação e do Conselho Nacional de Educação
O
Brasil tem ainda hoje, de acordo com o Censo Demográfico 2010, 9,7%
(14,1 milhões) de analfabetos com 15 anos de idade ou mais, que vivem
principalmente nas regiões mais pobres do país. No Nordeste, por
exemplo, esse percentual é de 18,7%! O analfabetismo perpetua a
desigualdade: as chances de pais com nível superior terem filhos
analfabetos é de 0,2%, enquanto que a chance de um filho de pai
analfabeto também ser analfabeto é de 32%.
O
quadro contrasta com um país que forma 12 mil doutores por ano e que se
encontra na 13ª posição do ranking da produção científica mundial —
ocupando posição de liderança na América Latina. Esse contraste é ainda
maior quando se observa a riqueza total produzida pelo país retratada
pelo Produto Interno Bruto (PIB), que o coloca na 6ª posição mundial.
Fechar
a torneira do analfabetismo, ou seja, promover condições para que todas
as crianças brasileiras estejam plenamente alfabetizadas, pelo menos
até os oito anos de idade, não é apenas uma peça estratégica para o
desenvolvimento sustentável do país, mas também um importante passo na
promoção da cidadania plena para todos os brasileiros.
Os
dados de aprendizagem do movimento Todos Pela Educação revelam que, de
cada 100 crianças que completam as séries iniciais do ensino
fundamental, 65 não aprenderam o conteúdo esperado em língua portuguesa.
Isso naturalmente é o reflexo da qualidade da alfabetização oferecida
às nossas crianças.
O
mais grave é que o país até aqui não desenvolveu um indicador para
medir a taxa de crianças alfabetizadas até os oito anos de idade. Há de
se louvar, por seu lado, a iniciativa da Provinha Brasil, do Ministério
da Educação (MEC), com o intuito de auxiliar os alfabetizadores a
detectar possíveis problemas no processo de alfabetização. É importante,
mas absolutamente insuficiente para o Brasil que precisamos.
Em
2011, diante desse cenário, o Todos Pela Educação, em parceria com a
Fundação Cesgranrio, o Instituto Paulo Montenegro e o próprio Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
realizou a Prova ABC para aferir a situação da alfabetização das nossas
crianças. Foi um primeiro teste, em caráter nacional, que envolveu as
capitais brasileiras. E os resultados foram preocupantes: apenas metade
dos alunos apresentou o desempenho esperado em leitura e escrita.
A
Prova ABC também revelou que as diferenças de oportunidades em relação
ao direito à educação já se manifestam nas primeiras séries do ensino
fundamental para uma criança que nasce, por exemplo, no Sul do Brasil e
outra no Norte — essas últimas já nas primeiras séries encontram-se num
patamar de aprendizagem bem inferior àquelas do Sul.
Por
essa razão, é extremamente acertada e decisiva a prioridade anunciada
pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, para a questão da
alfabetização até os oito anos, a partir do Programa Alfabetização na
Idade Certa (Paic). Porém, para que esse programa dê certo, é necessário
priorizar a formação dos professores alfabetizadores, que precisam de
capacitação e estímulo, inclusive financeiro.
Nesse
contexto, como ocorre na pesquisa brasileira, poderia ser criada uma
bolsa-auxílio à formação e aperfeiçoamento para os alfabetizadores.
Outro ponto importante é trazer novos insumos ao processo, livros,
materiais pedagógicos e recursos tecnológicos.
É
também imprescindível monitorar os resultados, para saber se, de fato, a
revolução (a boa revolução!) na alfabetização de nossas crianças está
acontecendo. É preciso, portanto, avaliar, considerando todos os
cuidados que se deve ter para essa fase do desenvolvimento da criança.
Vale aqui salientar que iniciativas nessa direção já estão acontecendo
em nosso país, em estados como Ceará e Minas Gerais.
Para
sair do papel, esse programa demanda não apenas novos recursos, mas
também coragem política para colocá-lo em marcha. E ele tem que sair do
papel, pois a alfabetização é a pedra angular da educação.