Ser mãe duas vezes do mesmo Ser
Vejo resistência nas pessoas em não
quererem falar sobre suicídio. Lógico que o tema pode ser apavorante, mas nem
por isso o suicídio deixou de ocupar uma das principais estatísticas
obituárias. E que, desde muito, já devia ser visto em sua total abrangência
como um dos principais problemas de saúde pública. Parece-me que este
comportamento de desfecho autofágico, mesmo sendo um dos registros mais antigos
da forma de morrer, não encontrou ao longo do tempo uma interpretação social
capaz de diminuir esses casos onde o corpo passa a ser vítima do seu próprio
organismo.
Ao se aproximar o dia das mães, lembro de uma confidencia de um dos poucos, mas
grandes amigos que tenho, quando disse-me que certa vez encontrou-se dentro de
um cenário em que desistir da vida pareceu-lhe fuga convincente. Afirmou de que
tudo estava sendo racionalizado friamente. Conduziu tudo possibilitando de que
seu último suspiro moribundo fosse dentro da mobília construída para os
momentos finais
Escreveu textos, despedindo-se das pessoas mais próximas. Finalizando com uma
cartinha para a sua mãe. No desfecho do enredo da mesma, faltou-lhe força para
concluir. Relatou que em vez de expor o que imaginava naquele momento, foi
tomado por uma forte impressão do que iria acontecer com sua mãe, partindo do
momento em que ela soubesse do seu impulso letal. De fato! Para a mãe que perde
um filho é o mesmo que achar a morte. Focou no momento em que ela encontrava o
seu corpo tombado por si mesmo. Convenceu-se de que aquilo seria o maior
sinônimo de dor da sua compreensão. O resultado de tudo é que ele chorou todo o
choro que estava guardado durante dias. E viu, após isso, a classificação
ínfima em que o problema, outrora, agonizante, passou a ocupar.
Do belo poema Dia das Mães, de Joseph Guiaroni, basta uma estrofe para
configurar uma ponte entre esta cumplicidade incomum: (...) Eu te esqueci.
As mães são esquecidas. / Vivi a vida, vivi muitas vidas/ E só agora, quando
chego ao fim/ Traído pela última esperança,/ E só agora, quando a dor me
alcança,/ Lembro quem nunca se esqueceu de mim. (...) Parece-me que a
maternidade é um acontecimento na vida da mulher que a transforma em um ser
diferente, farto de humanismo traduzido ao se doar.
Seria exigir muito da nossa mente que ela não sentisse, em alguns momentos, o
clima de angústia da vida maior que a satisfação de existência. Vejo isso como
normal. Observando a natureza das coisas, podemos perceber que a dualidade é
quem provoca as melhores lições de vida. Isso porque nos faz evoluir sem deixar
espaço para nos esquivar. Atentar contra si mesmo é contrariar toda a nossa
força inicial onde a fecundação do espermatozóide é o bastante para indicar a
direção que nos sobra como homem expectador de si mesmo, capaz de renascer
várias vezes numa única gestação, em uma mesma trajetória.
Texto enviado pelo grande jornalista e
poeta, Flávio Petrônio, novo colaborador do blogue.
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