segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Renan: retrato do eleitor brasileiro





Sou um dos signatários da petição que circulou na internet pedindo aos senadores que não elegessem Renan Calheiros como presidente do Senado brasileiro. Apesar das mais de 250 mil assinaturas, a maioria absoluta dos senadores fez vista grossa e não atendeu ao pedido de um bom grupo de brasileiros honestos.
Mas quem tem boa memória não se surpreendeu. Afinal de contas não é a primeira vez que isso acontece. É tradição do Senado brasileiro, eleger gente suspeita para a sua presidência. Se alguém ainda tem dúvida basta fazer uma pesquisa e verificar quem ocupou a cadeira de presidente daquela casa, começando pelo antecessor de Calheiros. E se isso acontece é porque a maioria absoluta dos senadores faz parte da mesma trupe e não tem interesse de eleger para cargo tão importante pessoas que se pautariam pela ética e pela transparência. A maioria é, no dizer do adágio popular, "farinha do mesmo saco”.
Porém, nesta hora, ao invés de ficarmos revoltados ou desperdiçando palavras inúteis, fazendo discursos demagógicos, precisamos fazer um sério exame de consciência. Certa vez li um texto do Dalai Lama no qual ele dizia que os grandes males da humanidade existem porque falamos demais e refletimos muito pouco. Ele chegava a afirmar que em situações como essas é preciso silenciar para percebermos a nossa responsabilidade e, a partir disso, começarmos a agir de maneira diferente.
Quem é Calheiros?
O retrato fiel da maioria absoluta dos eleitores brasileiros. Afinal de contas os que o elegeram não chegaram ao Senado através de um golpe ou por eleição indireta. Não estamos mais na época dos "senadores biônicos”. Foram eleitos por milhões de brasileiros. Logo, por dedução lógica, foram eleitos por brasileiros e por brasileiras que, pelo voto direto, os levaram ao Senado. E, também por dedução lógica, precisamos ter a sinceridade e a humildade de reconhecer que ainda votamos de forma irresponsável, sem fazer um discernimento sério e criterioso. Votamos porque o sujeito fala bem. Votamos porque o cara tem dinheiro. Votamos porque ele é "bonitão” e ela é "lindona”. Mas votamos também porque ele é o candidato daquele político mais próximo de nós, que um dia nos fez um favor: pagou uma cachaça, financiou uma dentadura ou uma receita de remédio.
Portanto, nada de lamentos e de atitudes bobas de escândalo. Nós, brasileiros e nós brasileiras, de um modo geral, ainda somos corruptos. Ainda temos a mentalidade do "jeitinho”. Aquele jeitinho que começa "furando a fila” dos que aguardam o ônibus, ou a abertura do banco, e vai se propagando até a venda do próprio voto. Dias atrás eu estava com minha esposa na fila de um restaurante. Aguardávamos a abertura do mesmo para o almoço. Ao se abrirem as portas do restaurante quase fomos atropelados, pois aqueles que estavam atrás se precipitaram sobre nós para almoçarem por primeiro. E é bom lembrar que não era um restaurante popular e que não havia nenhum risco da comida se acabar. Gestos antiéticos como estes são muito comuns no nosso dia a dia. Toda vez que podemos enganamos e nos desviamos da boa conduta, sempre com a intenção de levar vantagem em tudo.
Somos um povo de memória curta, um povo que se deixa levar facilmente pela propaganda, pela mentira e pela conversa fiada dos farsantes. Em 1989 Collor de Mello, apoiado pela grande mídia, especialmente pela Rede Globo, foi eleito com a falsa imagem de "caçador de Marajás”. Na ocasião a maioria dos brasileiros recusou-se a ver quem ele era e por quem era apoiado. O resultado desastroso nunca foi esquecido por quem tem boa memória, especialmente pelos que faliram e sofreram danos horríveis a partir do confisco do nosso dinheiro, por ele realizado no dia seguinte após a posse presidencial. Confisco esse tão rentável que permitiu que a sua ex-ministra da Fazenda se mudasse na época para os Estados Unidos, onde vive confortavelmente até hoje.
No momento a cena se repete. Brasileiros continuam se empolgando e deixando-se enganar. Não aprendemos a lição. No segundo semestre do ano passado muita gente ficou entusiasmada com a condenação dos protagonistas do "mensalão” do PT, por parte da Justiça brasileira. Não foram capazes de perceber que se trata de um ato politiqueiro, com a finalidade explícita de desviar a atenção do povo brasileiro dos verdadeiros bandidos. E para comprovar isso bastaria dar uma olhada nos outros julgamentos da Justiça ou, melhor ainda, nos processos que se arrastam há anos. Bastaria conhecer os crimes nunca julgados e nunca punidos. Seria interessante nos perguntarmos por que o Procurador Geral da República não fez nada até agora para denunciar a famosa "privataria tucana”, cujos documentos são públicos e notórios e envolve criminosamente políticos brasileiros numa operação de desvio de quantias vultosas dos cofres públicos brasileiros. Bastaria lembrar o mensalão do PSDB e os escravocratas fazendeiros assassinos de Unaí (MG), bem pertinho de Brasília, mandantes do assassinato dos fiscais do Ministério do Trabalho, até hoje impunes. E poderíamos aqui multiplicar os exemplos.
Não estou aqui defendendo o PT e nem afirmando que não houve mensalão, embora pairem dúvidas sérias sobre o assunto. O que estou afirmando é que existem sérias evidências – pelo menos para as pessoas inteligentes – de que este julgamento é politiqueiro e parcial. Os políticos do PT não estariam sendo usados como bodes expiatórios, com a finalidade explícita de nos desviar de crimes muito mais sérios? Por que mensalões cometidos antes por outros políticos e partidos, com os quais o PT aprendeu a lição, permanecem impunes até hoje? A Justiça deve explicação à população brasileira, se não quiser continuar com a sua imagem arranhada. Ela deve saber que uma boa parte dos brasileiros já não engole mais a propaganda da grande mídia. Como acreditar numa Justiça, exaltada no momento do julgamento do mensalão do PT, se esta exaltação vem de uma mídia que sempre esteve do lado da elite e da oligarquia brasileiras, únicas responsáveis pela miséria do povo e pela corrupção em nosso país?
É hora, pois, de acordar e de cada um de nós assumir sua parte de responsabilidade nesta história. É hora de, com muita coragem e determinação, reconhecer aquela tendência à corrupção e à desonestidade que se aninha dentro de cada um e de cada uma de nós. É hora de conversão, de reviravolta, de "mudança de hábitos”. É hora de parar de reclamar e de agir com mais transparência, mais seriedade e mais ética.
Por fim, cabe lembrar, não para nos desculpar, que este não é um problema só nosso e nem só de hoje. Há exatos 80 anos Hitler, um dos maiores facínoras da humanidade, chegou ao poder pelo voto direto. Na Itália, Berlusconi, talvez o maior político corrupto daquele país em todos os tempos, chegou ao poder pelo voto popular. E o que pensar de Putin na Rússia e de tantos outros políticos em tantos outros países? Isso só vem confirmar a urgência de uma ética mundial, como incansavelmente vem defendendo Hans Küng e outros cientistas e estudiosos.

Por José Lisboa Moreira de Oliveira

 

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