Deparei-me com a matéria “Intocada, previdência dos militares gasta mais do que o Bolsa Família”
publicada no jornal Folha de São Paulo e senti-me na obrigação de fazer
alguns comentários. Definitivamente, a matéria tem como foco mostrar
eventuais privilégios dos militares em relação a determinados setores da
sociedade. Sei lá por que razões, o jornalista apontou os supostos
privilégios, mas deixou de lado o peso enorme que os servidores fardados
têm de carregar. Alguém pode argumentar: “mas quando ingressaram na
carreira já sabiam que era assim”. Verdade, era “assim”, para ônus e
bônus.
Primeiramente, segundo o site do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, “O Programa Bolsa
Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia
famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país”.
Portanto, é um recurso repassado pelo governo às pessoas carentes para
que elas tenham condições mínimas de sobrevivência. É um gesto
humanitário, não uma contrapartida salarial por algum trabalho
realizado.
Por outro lado, a remuneração paga aos
militares é para exercerem uma atividade técnica, de risco, e altamente
exigente e sacerdotal em prol da nação. Quando vão para a reserva
remunerada (aposentadoria), antes da reforma, ainda podem ser
mobilizados. Entram em uma espécie de sobreaviso da segurança do país,
mantendo-se à disposição da nação para convocações eventuais. São
eternamente sujeitos aos regulamentos militares, diferente dos
servidores civis aposentados e demais trabalhadores. Os membros da
reserva não remunerada sujeitam-se apenas às regras impostas a todos os
cidadãos brasileiros. Evidente que a comparação feita na matéria é
sofismática e induz a erros graves que apontam na direção da
desinformação e a alienação que serve aos manipuladores de consciências.
Um servidor público estatutário
aposentado e um trabalhador regido pela CLT não possuem vínculo eterno
de subordinação ao seu contratante, ou mesmo ao órgão ou entidade onde
trabalhou. Torna-se um trabalhador ou servidor aposentado. Sendo uma
aposentadoria por tempo de serviço não é mais reversível por conta da
vontade de quem quer que seja, apenas do próprio cidadão, caso queira
voltar a trabalhar e haja quem queria contratá-lo, dentro das
possibilidades que a lei faculta.
Um país pode reduzir o efetivo e a
infraestrutura das suas Forças Armadas se entender que deve, mas
logicamente não poderá contar com a total eficácia dessas forças que o
defenderão dos riscos externos e internos devido a seu contingente
reduzido. Além de perder o seu poder dissuasório contra os inimigos
externos, ou internos, perderá também aquela força de mobilização rápida
que age nas horas de calamidade pública quando as outras instituições
falham nas áreas de defesa civil, segurança, saúde etc.
Os valores recebidos pelos militares da
reserva são compatíveis com os recebidos pelos da ativa. Se fosse feita
uma análise criteriosa desses recursos, se chegaria à conclusão de que
os salários auferidos pelos militares não estão em um nível que mereça
aumentar ‘glosas’ a qualquer título. Acho que os militares não se
oporiam pagar percentuais maiores à previdência se seus vencimentos
fossem compatíveis com outras carreiras públicas, pois, mesmo com esses
percentuais maiores, certamente o líquido que iria para o custeio de
suas famílias seria bem maior.
Como estão pautando o tema, seria ótimo
que pautassem uma reestruturação ampla da carreira dos militares, como
tem sido feito em diversas categorias de servidores públicos. Neste
contexto, por questão de equidade, deve ser feita uma equiparação de
contracheques entre as carreiras civis e militares em todos os aspectos.
Não tenho dúvidas que, se assim for, os militares poderão pagar os
mesmos percentuais pagos pelos servidores civis destinados à sua
previdência, mas os valores líquidos recebidos por eles certamente
poderiam ser até dobrados.
Antes de se falar na previdência,
objetivo futuro dos militares da ativa, deve-se falar no presente de
todos, ativos e inativos: precisam, pelo menos, serem igualados, na
valorização salarial, com outras carreiras. Quem conhece a atividade
militar, cercada de riscos e incertezas quanto às missões que terão de
cumprir, dos locais para onde levarão suas famílias, ou mesmo das
necessidades de ir para lugares distantes, sem suas famílias, sem a
certeza do retorno, deveria supor que tais cidadãos mereceriam ter
suporte minimamente digno para que não deixem suas famílias em condições
desagradáveis em suas ausências, seja por tombamento no cumprimento da
missão, seja em um afastamento temporário.
A matéria apresentada é de natureza
míope, parcial e induz a uma necessidade de esfolamento maior de uma
categoria que exige muito de seus quadros, bem mais do que a média da
sociedade, e que, por natureza, exige desprendimento, resignação e
altruísmo. Se a nossa sociedade quer ser defendida por pessoas motivadas
e preparadas, exigidas em seus limites em treinamentos de formação e
aperfeiçoamento, precisamos ter um olhar mais realista para a situação
dos militares e seus familiares. Do contrário, estamos ‘enfraquecendo’
as instituições guardiães da nossa segurança, exatamente em um momento
em que o Brasil está despontando, a nível internacional, e despertando
cobiças, especialmente por ser reservatório de água, alimentos e energia
para o mundo.
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