Um documento vazado pelo Wikileaks em 2009 não mereceu nenhuma atenção da mídia e nem do governo.
É uma pena, porque ele tem um imenso interesse público.
No documento, o Wikileaks fala de um dinheiro que Roseana Sarney,
governadora do Maranhão, teria nas Ilhas Caimãs, um dos mais notórios
paraísos fiscais do mundo.
Roseana, segundo o Wikileaks, tinha em 1999 cerca de 150 milhões de
dólares em Caimãs. Em reais, seriam cerca de 350 milhões em valores de
hoje.
Você pode ver o documento aqui.
Dinheiro em paraíso fiscal é uma tragédia para a economia de um país.
Primeiro, e acima de tudo, porque significa sonegação de impostos.
É com o dinheiro dos impostos que você constrói escolas, hospitais,
estradas, portos, aeroportos e outras coisas que são absurdamente
escassas, por exemplo, no Maranhão.
Depois, porque o envio de dinheiro para fora revela falta de confiança
no país. Isto é ainda mais doloroso quando se trata de pessoas que
tocam, que comandam o país. É um sinal de que tais pessoas sabem que
estão fazendo um serviço abjeto em seus cargos públicos.
Um estudo escrito por James Henry, ex-economista-chefe da consultoria
McKinsey, mostra que os super-ricos brasileiros tinham, em 2010, cerca
de 520 bilhões de dólares (ou mais de 1 trilhão de reais) em paraísos
fiscais. É quase um quarto do PIB nacional.
O trabalho foi encomendado pela Tax Justice Network (TJN), organização que combate os paraísos fiscais.
“Quando vejo os ricos brasileiros reclamando de impostos, só posso crer
que estejam brincando. Porque eles remetem dinheiro para paraísos
fiscais há muito tempo”, afirma John Christensen, diretor da TJN.
As coisas ficam ainda mais complicadas quando você olha para uma conta
num paraíso fiscal e se pergunta: como o titular acumulou tanto
dinheiro?
Vejamos um exemplo sem essa condição agravante.
Na Alemanha, o presidente do Bayern, Oli Hoeness, caiu imeditamente em
desgraça quando a revista Focus publicou que ele tinha uma conta secreta
na Suíça.
Hoeness não pagava imposto sobre o patrimônio escondido na Suíça, e isso foi suficiente para que fosse decretada sua prisão.
Ele pagou uma fiança de 5 milhões de euros, cerca de 15 milhões de reais, para escapar provisoriamente da prisão.
Em março, começa seu julgamento. Dificilmente ele vai de safar da
cadeia. O governo alemão quer que ele seja punido exemplarmente por um
motivo poderoso: você não constroi um país decente quando pessoas fazem o
que Hoeness fez.
Hoeness é um homem rico. Não causou estranheza o tamanho da conta suíça – mas o fato de ele não a ter declarado.
É mais dura a situação quando você examina o documento do Wikileaks
sobre Roseana. De onde vieram os 150 milhões de dólares denunciados pelo
Wikileaks?
Por que ninguém investigou o caso nestes anos todos?
Sabemos os interesses da mídia. A Globo, particularmente, tem uma longa
relação de amizade e parceria com a família Sarney no Maranhão.
Esqueça então a Globo.
E o governo, por que não se movimentou? Uma hipótese é que a informação – embora pública – não tenha chegado a Brasília.
Mas a alternativa mais real é a que diz respeito à assim chamada
governabilidade. Mexer com os Sarneys – nem que fosse para meramente
esclarecer um documento de elevado interesse público – é uma das últimas
coisas que um governo que dependa do PMDB deseja.
E então nada muda e nada acontece. O preço colossal é pago, como sempre, pela sociedade.
As Jornadas de Junho mostraram que as pessoas estão cansadas dos
arranjos políticos em volta da governabilidade – porque eles atrasam
consideravelmente o desenvolvimento social brasileiro.
A mensagem das ruas foi entendida?
Se sim, é hora de enfrentar certas realidades desagradáveis. Se não, as
ruas fatalmente voltarão a se manifestar – contra a mídia que só defende
seus próprios interesses e contra a “governabilidade” que perpetua
iniquidades históricas nacionais.
Por Paulo Nogueira
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