domingo, 25 de dezembro de 2011

Crise do CNJ reabre debate sobre falta de transparência da Justiça

Por UIRÁ MACHADO DE SÃO PAULO

A crise que abalou a cúpula do Judiciário nesta semana trouxe novamente à tona a discussão sobre a transparência da Justiça brasileira.
O debate foi deflagrado na segunda-feira, quando dois ministros do Supremo Tribunal Federal, em decisões provisórias, esvaziaram os poderes de investigação do Conselho Nacional de Justiça.
As liminares atenderam a pedidos feitos por três associações de juízes. Elas afirmam que o CNJ atuava de forma inconstitucional.
A polêmica é tão antiga quanto a própria criação do conselho, instalado em 2005 como órgão de controle externo do Poder Judiciário.
Ex-secretário de Reforma do Judiciário, Sérgio Renault estava no cargo quando foi aprovada a criação do órgão. "O CNJ surgiu para investigar juízes de forma autônoma", diz. "A resistência à época foi grande, e agora ela renasce, talvez porque ele estivesse cumprindo o seu papel."
A primeira decisão contra o CNJ foi do ministro Marco Aurélio Mello. Ele avaliou que o órgão não pode tomar a iniciativa de investigar juízes antes das corregedorias locais.
Depois, seu colega Ricardo Lewandowski suspendeu apuração sobre a folha de pagamento de servidores do Judiciário em 22 tribunais. O CNJ averiguava movimentações financeiras atípicas.
As duas decisões foram concedidas em caráter provisório e poderão ser revistas no ano que vem, quando os ministros do Supremo se reunirem para julgar as ações que motivaram as liminares.
Na sexta-feira, as três principais associações de juízes do país pediram à Procuradoria-Geral da República que abra uma investigação sobre a conduta da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon.
Para o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, as decisões são "uma reação corporativa de uma instituição historicamente fechada e que está em descompasso com o resto da sociedade".
Couto diz que a forma como as liminares foram dadas -no último dia antes do recesso de fim de ano dos juízes- indica uma estratégia para resistir às pressões.
"Se olharmos bem, as prerrogativas do Judiciário vão sempre ao extremo, é um Poder que se percebe como diferente da sociedade", diz.
O ex-presidente do STF Carlos Velloso não vê problemas nas liminares. Ele diz que ambas estão em acordo com a lei e serão avaliadas pelo plenário do Supremo quando ele voltar do recesso.
Para Velloso, a decisão de Marco Aurélio concilia a autonomia dos tribunais com a atuação do CNJ, já que este continuaria agindo como espécie de instância recursal das corregedorias locais.
"Também não vejo prejuízo para as investigações, pois janeiro é um mês de férias nos tribunais superiores", diz.
Dalmo Dallari, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, discorda. Em sua opinião, a decisão de Marco Aurélio contraria o dispositivo constitucional que trata das atribuições do CNJ.
"É uma tentativa de esvaziar o conselho, mentalidade até corrente no Judiciário. Os juízes estavam acostumados com as corregedorias locais, que muitas vezes agiam de forma corporativa", diz.
O advogado Ives Gandra da Silva Martins também contesta as liminares: "Admiro, respeito e reconheço a idoneidade dos ministros, mas as decisões foram equivocadas."
Martins lembra que, desde sua criação, o CNJ já teve outros três presidentes (todos ministros do Supremo) e dezenas de conselheiros. "Não é possível que todos tenham se enganado quanto à competência do órgão."
A cientista política Maria Tereza Sadek diz que as decisões desgastam o Judiciário, que termina o ano com a imagem arranhada.
Frases
"O CNJ foi criado para investigar juízes de forma autônoma, com isenção e distanciamento. A liminar do ministro Marco Aurélio Mello limita o órgão justo nesse ponto, tirando sua força"
SÉRGIO RENAULT,
ex-secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2003/2004)
"É uma reação corporativa de uma instituição historicamente fechada, em descompasso com o resto da sociedade. O Judiciário é um Poder que se percebe como diferente da sociedade"
CLÁUDIO GONÇALVES COUTO,
cientista político, é professor do Departamento de Gestão Pública da FGV
"Não vejo irregularidade nas liminares nem prejuízo para as investigações, pois janeiro é um mês de férias nos tribunais superiores. Além disso, são decisões provisórias. Vamos aguardar o plenário"
CARLOS VELLOSO,
ex-presidente do Supremo Tribunal Federal
"A decisão do ministro Marco Aurélio é mais grave, por contrariar, a meu ver, disposição expressa da Constituição. É uma tentativa clara de esvaziar o CNJ"
DALMO DALLARI,
professor aposentado da Faculdade de Direito da USP
Perguntas e respostas
1 - O que é o Conselho Nacional de Justiça?
Instalado em 2005, é o órgão responsável pela fiscalização e pelo controle externo do Poder Judiciário. Ele tem poderes para investigar e punir juízes que cometerem irregularidades.
2 - Por que os juízes estão sendo investigados agora?
Em julho de 2010, o então corregedor do CNJ Gilson Dipp pediu ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que examinasse a movimentação financeira de 217 mil juízes e funcionários de tribunais do país inteiro. A varredura apontou movimentações estranhas de 3,4 mil pessoas.
3 - A investigação já deu algum resultado?
Não. No início do mês, a corregedora Eliana Calmon ordenou inspeções nos tribunais de São Paulo e outros 21 Estados para aprofundar as investigações sobre 500 pessoas. Na última segunda-feira, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, mandou suspender as inspeções a pedido de três associações de juízes.
4 - As pessoas que estão sendo investigadas fizeram alguma coisa errada?
Não se sabe ainda. Uma das desconfianças dos envolvidos com as investigações é que alguns tribunais pagaram de forma irregular a alguns juízes uma antiga dívida trabalhista.
5 - Que dinheiro é esse?
Uma decisão do STF em 2000 estendeu a todos os juízes do país o auxílio-moradia que é pago a deputados e senadores. Cada tribunal pagou os atrasados de um jeito e suspeita-se que alguns juízes receberam o dinheiro em condições favorecidas, na frente de seus colegas.
6 - Por que os ministros do Supremo Tribunal Federal estão brigando com o CNJ?
Muitos juízes acham que a corregedoria foi além de suas atribuições ao investigar a movimentação financeira de tanta gente e incluir na varredura mulheres e filhos dos juízes. Antes de Lewandowski suspender as investigações nos tribunais estaduais na semana passada, o ministro Marco Aurélio Mello concedeu outra liminar que esvazia os poderes do CNJ.
7 - Os ministros do Supremo fizeram algo errado?
O presidente do STF, Cezar Peluso, e Lewandowski trabalhavam no Tribunal de Justiça de São Paulo antes de serem alçados ao STF e receberam pagamentos referentes ao auxílio-moradia. Peluso recebeu R$ 700 mil de uma vez. Não se sabe se houve favorecimento na maneira como esses pagamentos foram feitos.

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